sexta-feira, março 09, 2007

(646) A CHOCANTE NUDEZ DA CIDADANIA

Saber, saber muito, saber o mais possível, saber tudo, se possível, do maior número possível de pessoas. Este parece ser o ponto principal do programa real do Governo socialista, logo a seguir, é claro, à construção de um aeroporto da Ota.

Avanço, desde já, que sou insuspeito em matéria de Administração Pública e de função pública. Sou da oposição de direita ao Governo, acho que nada de verdadeiramente essencial está a mudar, apesar de pequenas e cirúrgicas medidas irem no sentido certo e, por isso, sinto-me à vontade para dizer que o Governo Sócrates (é cada vez mais o Governo Sócrates e cada vez menos o Governo PS) quer legalizar a devassa da vida privada dos funcionários públicos.

O Governo Sócrates pediu um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados para um eventual futuro Decreto-Lei que prevê estas pérolas de invasão da privacidade dos funcionários públicos:

Dados a cruzar:
Identificação e cadastro contributivo das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, DGITA e IIES;
Nacionalidade, residência e estado civil das bases de dados do Ministério da Justiça;
Benefícios sociais das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, ISS e IIES;
Vínculo laboral com a administração pública da base de dados da DGAP, do ISS e do IESS; - Rendimentos da base de dados da DGITA;
Património mobiliário e imobiliário sujeito a registo das bases de dados do Ministério da Justiça;
Situação escolar dos alunos, relativamente à frequência e aproveitamento;
Obrigações acessórias, designadamente, início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade, das bases de dados da DGITA, ISS, IESS e Ministério da Educação.

Bases de dados a cruzar:
Subscritores, pensionistas e outros beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (CGA);
Beneficiários da ADSE;
Beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM);
Beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça (SSMJ);
Beneficiários da Assistência na Doença (SAD) ao pessoal da GNR e da PSP;
Funcionários públicos e agentes administrativos da Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP);
Identificação dos contribuintes fiscais da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA);
Identificação civil, residência de estrangeiros e registo predial e automóvel, do Ministério da Justiça;
Contribuintes e beneficiários do Instituto da Segurança Social (ISS) e do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade (IIES).
Quem começa por ter acesso (sim, nestas coisas sabe-se sempre quem começa mas nunca quem acaba):
Todos os gestores das bases de dados referidas anteriormente;Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo;Inspecção-Geral de Finanças;
Instituto da Segurança Social, nomeadamente através do Centro Nacional de Pensões;
Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais;Solicitadores de Execução.

Sim, é verdade, a lista é longa e sim, é verdade, tudo começou com o célebre e inocente cartão único do cidadão. A verdade também é que o Governo revela uma vocação verdadeiramente voraz para penetrar na privacidade dos cidadãos. O Big Brother chegou-nos pela mão de José Sócrates. O verdadeiro, não o das câmaras de televisão do célebre concurso a quem só vai quem quer. Com o Governo de Sócrates parece que todos seremos concorrentes forçados do Big Brother politicamente monstruoso que está em construção a partir de São Bento. Depois de pretender criar um coordenador de todas as polícias e serviços de informações do Estado na sua dependência, José Sócrates ambiciona também saber tudo sobre os funcionários públicos. É o Estado policial no seu esplendor. Sempre em democracia, claro.

Em matéria de invasão da privacidade sabe-se sempre como se começa, nunca se sabe como se acaba. Não será por acaso que num país certamente atrasado e terceiro-mundista chamado Reino Unido não há sequer bilhete de identidade, para não pôr em causa a privacidade dos cidadãos.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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