O sim ganhou o referendo do aborto. A partir de agora e apesar da Assembleia da República não estar obrigada a legislar nesse sentido porque não votou a maioria dos eleitores recenseados, as esquerdas têm legitimidade política para fazer uma lei com uma norma a dizer que o aborto praticado até às dez semanas por opção da mulher em estabelecimento de saúde autorizado não é crime.
Parece simples não é caro leitor? Pois não é.
Logo nos dias seguintes ao referendo ficou claro que o PS não sabe o que fazer com a vitória que inegavelmente alcançou. Na segunda-feira veio Alberto Martins, líder parlamentar do PS, dar a entender que não haveria qualquer aconselhamento obrigatório para as grávidas que quisessem abortar. Na terça-feira, nas jornadas parlamentares do PS, essa ideia ficou ainda mais vincada em declarações de diversos deputados e do próprio Primeiro-Ministro. Para quem acompanhou a campanha de perto, é fácil constatar que alguns defensores do Sim mentiram com quantos dentes tinham na boca quando afirmaram que a resposta Sim à pergunta do referendo não implicaria o Sim ao aborto livre. Chamaram mentirosos a quem afirmava o contrário. Alguns, como Vital Moreira ou Maria de Belém Roseira, deram a entender que o aconselhamento seria contemplado na regulamentação da lei.
Constata-se agora que tudo não passou de uma mentira. Quem, de boa fé, respondeu Sim, na expectativa de que aí viria uma lei moderada, desengane-se, pois o que a maioria aprovou foi efectivamente o "direito ao aborto". Depois veio outra vez Alberto Martins dizer que ninguém fazia a Lei, só o PS. O PS parece uma criança a quem deram um brinquedo novo. O problema é que não sabe como pôr o brinquedo a funcionar.
A verdade é que existem várias questões em aberto por resolver. Vai-se despenalizar ou descriminalizar o aborto, mantendo a sua ilicitude? Vai-se dar a exclusiva opção de abortar à mãe ou vai permitir-se que o pai tenha opinião? Vai-se construir um tipo de crime novo punindo o acto conforme o lugar onde ele é praticado, sem consideração pelos “direitos” da mãe, mantendo-se teimosamente a ideia de que só não há crime nos “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”? Vai-se exigir uma qualquer motivação da mãe - “angústia”, “sofrimento psicológico” ou outra equivalente - ou não se exigirá qualquer razão, por frágil que seja?Vai-se exigir um período de aconselhamento e reflexão prévios - e vai-se fazer desse momento um espaço informativo meramente técnico, ou, pelo contrário, vai transformar-se esse momento numa ocasião de defesa da vida? Vai estabelecer-se algum equilíbrio entre as mães que abortam e as que querem ter os seus filhos, em termos de acesso a prestações sociais? O que vai o Estado fazer aos casais que querem ter filhos e não podem? Vai tratá-los como doentes e apoiá-los no Serviço Nacional de Saúde como irá passar a fazer com as grávidas?
A esclarecer tudo isto fugiram Sócrates, Correia de Campos, o PS e restantes esquerdas durante o debate de campanha. Não convinha. Agora está instalada a confusão.
Para agravar tudo isto, vem agora, agora, só agora, Cavaco Silva puxar dos galões presidenciais e exigir prudência e equilíbrio na Lei. O mesmo Presidente que nem uma intervenção pública se dignou fazer sobre o tema quando era o tempo de esclarecer e decidir, que nem uma mensagem prévia de apelo ao voto no referendo arriscou fazer. Tarde de mais para tanta preocupação, parece-me. É que o Presidente tem, dizem os sábios constitucionais, o enormíssimo poder da palavra. Com o seu silêncio no momento em que devia ter falado, Cavaco Silva não perdeu certamente o poder formal do veto, mas perdeu seguramente autoridade política e margem de manobra para fazer o que quer que seja.
Parece simples não é caro leitor? Pois não é.
Logo nos dias seguintes ao referendo ficou claro que o PS não sabe o que fazer com a vitória que inegavelmente alcançou. Na segunda-feira veio Alberto Martins, líder parlamentar do PS, dar a entender que não haveria qualquer aconselhamento obrigatório para as grávidas que quisessem abortar. Na terça-feira, nas jornadas parlamentares do PS, essa ideia ficou ainda mais vincada em declarações de diversos deputados e do próprio Primeiro-Ministro. Para quem acompanhou a campanha de perto, é fácil constatar que alguns defensores do Sim mentiram com quantos dentes tinham na boca quando afirmaram que a resposta Sim à pergunta do referendo não implicaria o Sim ao aborto livre. Chamaram mentirosos a quem afirmava o contrário. Alguns, como Vital Moreira ou Maria de Belém Roseira, deram a entender que o aconselhamento seria contemplado na regulamentação da lei.
Constata-se agora que tudo não passou de uma mentira. Quem, de boa fé, respondeu Sim, na expectativa de que aí viria uma lei moderada, desengane-se, pois o que a maioria aprovou foi efectivamente o "direito ao aborto". Depois veio outra vez Alberto Martins dizer que ninguém fazia a Lei, só o PS. O PS parece uma criança a quem deram um brinquedo novo. O problema é que não sabe como pôr o brinquedo a funcionar.
A verdade é que existem várias questões em aberto por resolver. Vai-se despenalizar ou descriminalizar o aborto, mantendo a sua ilicitude? Vai-se dar a exclusiva opção de abortar à mãe ou vai permitir-se que o pai tenha opinião? Vai-se construir um tipo de crime novo punindo o acto conforme o lugar onde ele é praticado, sem consideração pelos “direitos” da mãe, mantendo-se teimosamente a ideia de que só não há crime nos “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”? Vai-se exigir uma qualquer motivação da mãe - “angústia”, “sofrimento psicológico” ou outra equivalente - ou não se exigirá qualquer razão, por frágil que seja?Vai-se exigir um período de aconselhamento e reflexão prévios - e vai-se fazer desse momento um espaço informativo meramente técnico, ou, pelo contrário, vai transformar-se esse momento numa ocasião de defesa da vida? Vai estabelecer-se algum equilíbrio entre as mães que abortam e as que querem ter os seus filhos, em termos de acesso a prestações sociais? O que vai o Estado fazer aos casais que querem ter filhos e não podem? Vai tratá-los como doentes e apoiá-los no Serviço Nacional de Saúde como irá passar a fazer com as grávidas?
A esclarecer tudo isto fugiram Sócrates, Correia de Campos, o PS e restantes esquerdas durante o debate de campanha. Não convinha. Agora está instalada a confusão.
Para agravar tudo isto, vem agora, agora, só agora, Cavaco Silva puxar dos galões presidenciais e exigir prudência e equilíbrio na Lei. O mesmo Presidente que nem uma intervenção pública se dignou fazer sobre o tema quando era o tempo de esclarecer e decidir, que nem uma mensagem prévia de apelo ao voto no referendo arriscou fazer. Tarde de mais para tanta preocupação, parece-me. É que o Presidente tem, dizem os sábios constitucionais, o enormíssimo poder da palavra. Com o seu silêncio no momento em que devia ter falado, Cavaco Silva não perdeu certamente o poder formal do veto, mas perdeu seguramente autoridade política e margem de manobra para fazer o que quer que seja.
(publicado na edição d ehoje do Diário de Aveiro)
2 comentários:
Na mesma semana...
António José Teixeira mantém a sua postura na questão do aborto.
António José Teixeira é demitido do DN porque "as vendas não subiam".
José António Barreiros abandona a defesa das vítimas casapianas.
José António Barreiros é apresentado por Paula Moura Pinheiro como convidado mais ou menos permanente de um novo programa na 2.
Carmona Rodrigues e Fontão de Carvalho entalados como que por bruxedo.
PS, galvanizado pela "vitória da liberdade", propõe eleições intercalares.
Tempestades de gelo isolam uma fatia bem larga dos US of A.
Cai granizo em Portugal inteiro e a temperatura desce 7 graus em hora e meia.
Coincidências my ass.
Jorge,
se fosse portugues eu votaria no sim. Entretanto, é muito mais importante que voto a ideia que está por tras da propaganda do sim e do aborto.
Abraços, Guilherme
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