sexta-feira, janeiro 05, 2007

(232) QUANDO A CONTABILIDADE É POESIA

Provavelmente Élio Maia não tem consciência do triste espectáculo que a Câmara de Aveiro está a dar ao país. Provavelmente, é pessoa de contas certas e ideias seguras. Provavelmente é bem intencionado e devoto das aventuras do espírito. Tudo isto ao mesmo tempo. Assim se perceberá que ao mesmo tempo que numa louvável iniciativa cultural a Câmara Municipal de Aveiro tenha criado o Prémio de Poesia Nuno Júdice, não consiga alcançar uma coisa simples, que é calcular decentemente uma dívida. O Prémio de poesia será pago em dinheiro. Serão as contas municipais um poema?

Ora aí está: em Aveiro, também a contabilidade é poesia. Aliás, sabe-se como o emérito exército dos Poetas está cheio de soldados contabilistas, bastando por todos citar o caso universal de Fernando Pessoa. A contabilidade é por certo ciência árida e sem encanto para lá dos números. E já Jesus Cristo não percebia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca. A ciência do deve e do haver pode perfeitamente navegar em mar alto, à vista, ou pelo litoral, ao sabor dos ventos, dos dias e da inspiração dos contadores, dos auditores, dos vereadores.

Que é feito dos resultados do trabalho da Inspecção-Geral de Finanças? Que é feito das auditorias adjudicadas, readjudicadas, encomendadas, reencomendadas, recauchutadas, pedidas pela Câmara, por iniciativa do gastador mor que foi o PS? Que é feito de mais de um ano de mandato sem se saber quanto deve a Câmara? Como pode uma Câmara fazer orçamentos, apresentar projectos, definir objectivos, construir pistas de remo, arranjar o que quer que seja, sem saber que dinheiro deve e que dinheiro tem?

Já cheira mal esta história da dívida municipal em Aveiro. Uma empresa gerida assim já teria falido. Uma família gerida assim já seria cliente do banco do micro-crédito. Isto só não acontece com a Câmara porque em Portugal o que se exige aos cidadãos nem o Estado nem as autarquias cumprem, dando assim um exemplo de laxismo e de incompetência que contamina a economia e a sociedade. Estão habituados a viver com o dinheiro dos outros e à conta do dinheiro dos outros. Mau princípio.

A novela da dívida convém à situação e à oposição. À situação porque vai explorar até à náusea a responsabilidade do PS no gasto. Ao PS porque descobriu o filão da avaria da calculadora municipal e não larga o osso. Assim se evita discutir o que é importante. A irresponsabilidade de uns e a incompetência de outros. Um optimista remataria: nas próximas eleições é que vai ser, tudo corrido ao voto popular. Infelizmente tal não parece vir a suceder. Não há realidade mais democrática que o eleitorado. Até no masoquismo. Resta, além da poesia, o humor. Não esquecerei a melhor mensagem da Ano Novo recebida no meu telemóvel, enviada por um amigo aveirense: “que a nossa amizade seja como a dívida da Camara de Aveiro: tenha um valor incalculável e aumente de dia para dia! Feliz Ano 2007."
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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