Vê-se, ouve-se e lê-se e não se acredita. Bem sei que estamos já em plena silly season, traduzindo, a estação parva, onde os mais lúcidos dos espíritos se turvam a pontos de praticarem actos sem sentido e até grotescos (não confundir com aflorações de esquizofrenia, esta já do foro médico e não de calendário), e os mais anormais comportamentos se justificam pela intensidade do calor, mesmo com um Verão suave, como tem sido este. Mas há limites para tudo. Ou devia haver. O Governo não tem limites.
Esta semana José Sócrates decidiu voltar aos power point. Passadas as tormentas dos últimos meses, alguém deve ter aconselhado o Primeiro-Ministro a regressar aos gloriosos tempos da propaganda. Desta vez calhou à Educação. E lá foram Sócrates e a ministra apresentar o plano tecnológico da educação ao Centro Cultural de Belém.
Esta semana José Sócrates decidiu voltar aos power point. Passadas as tormentas dos últimos meses, alguém deve ter aconselhado o Primeiro-Ministro a regressar aos gloriosos tempos da propaganda. Desta vez calhou à Educação. E lá foram Sócrates e a ministra apresentar o plano tecnológico da educação ao Centro Cultural de Belém.
Passar de um rácio actual de 12,8 computadores com ligação à Internet por aluno para dois terminais em 2010. Ter metade das 27 mil salas de aula equipadas com um quadro interactivo e videoprojector já em Abril de 2008. Data em que também todas as escolas de 2.º e 3.º ciclos do básico e secundário terão em funcionamento o sistema de cartão electrónico do aluno (que permite eliminar a utilização de dinheiro), alarmes e câmaras de vigilância no exterior. Convém registar os números para poder comparar depois com os resultados.
“Vamos dar às escolas as condições para assumir um papel de vanguarda. Este programa vai modificar muito a nossa escola”, afirmou o Primeiro-Ministro e deverá colocará Portugal “entre os cinco países europeus mais avançados na modernização tecnológica do ensino em 2010.” Ao todo são 400 milhões de euros de fundos comunitários que permitirão construir a “escola do futuro.” Já para a ministra da Educação, registe-se, da Educação, o programa terá um papel importante na peça da diminuição da desigualdade entre escolas. E, em particular, “para mitigar os efeitos destas desigualdades nos resultados escolares dos estudantes.”
A ideia era mostrar as potencialidades da utilização dos quadros interactivos numa sala de aula. Sentadas em carteiras, cerca de uma dezena de crianças respondiam ao “professor” e faziam os exercícios descritos no quadro, com ajuda do rato ou de uma caneta especial que faz as vezes de giz. Só que para além da sala improvisada no Centro Cultural de Belém havia algo mais encenado. Os “alunos” eram crianças que tinham sido recrutadas por uma agência de casting: a NBP, num trabalho que rendeu 30 euros a cada um, de acordo com o relato feito por um dos miúdos à RTP. “A empresa propôs fazer a apresentação aqui no local para que pudéssemos todos perceber como funcionam [os quadros interactivos]”, explicou a ministra da Educação, sublinhando que esse era um pormenor muito pouco relevante perante o investimento hoje anunciado.
A escola do futuro de Sócrates faz-se de computadores, videovigilância e quadros interactivos. Os alunos são secundários. Os professores são secundários. A disciplina é secundária. Os programas são secundários. A tabuada é secundária. A gramática é secundária. As máquinas é que contam. E neste mundo virtual, tecnocrático e cinzento de José Sócrates não são necessários alunos. Bastam robots. Como não há dinheiro para comprar robots, contratam-se alunos a fingir, actores infantis em estágio para os reallity-shows de uma qualquer produtora de televisão.
Se repararmos, é só vantagens: José Sócrates pode entrar nos eventos pela porta da frente porque não será vaiado. A assistência terá o número certo de figurantes, porque se encomenda à medida da plateia pretendida. Contribui-se para a economia dando trabalho a crianças, assim como certas fabriquetas do Norte faziam antigamente, embora pagando certamente pior que o Governo. Toda a gente sorri, dando a possibilidade das revistas do coração aproveitarem o evento para as edições de Agosto que esgotam nos areais do All Garve. Mais: esta metodologia fornece números para o programa Novas Oportunidades. O lema poderia ser: “Queres ser actor? Queres entrar numa telenovela? Inscreve-te já num estágio com José Sócrates”.
Depois do PS ter recolhido figurantes para a noite eleitoral de Lisboa no Alandroal, em Famalicão e sei lá mais onde, agora a coisa sofisticou-se: contratam-se crianças. Que génio! Aproveitem e contratem também eleitores, que a abstenção não está para brincadeiras…
Só há um contra: os jornalistas. Esses estupores desalmados, que têm a mania de fazer perguntas (os que têm…). Mas há leis a caminho para tratar disso. Não há direito de estragar a felicidade socialista.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
1 comentário:
Soberbo (mais claro é impossível).
Rita
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