sexta-feira, junho 01, 2007

(1077) O ESTADO TARADO

Sabia o leitor que passou a ser obrigatório por determinação do Banco de Portugal os menores estarem registados nas Finanças e possuírem número de identificação fiscal? Não sabia? Pois fica a saber. Se pensa abrir uma conta bancária em nome de um menor já sabe: tem de ir primeiro à respectiva repartição de Finanças e obter o cartãozinho de contribuinte. Claro que não interessa nada saber com o que é que o menor contribui e para quê. Passa a ser contribuinte e pronto. Sobretudo contribui para a burocracia do Estado e para o aumento de informação do Estado sobre os cidadãos. Não há discussão. O Big Brother is, cada vez mais, watching you.

Aquelas contas bancárias abertas quando as crianças nascem pelos padrinhos e pelas madrinhas para ir fazendo um pé de meia para a maioridade passam a exigir registo prévio nas Finanças. Esta profunda reforma do Estado e da Administração Fiscal é um poderoso contributo para o aumento das receitas…

Mas isto não chega: o Ministério das Finanças vai alterar a lei que obriga os contribuintes a declararem à Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) as doações por cheque ou em dinheiro feitas entre pais e filhos, avós e netos, e cônjuges, sempre que estas ultrapassem os 500 euros. A garantia foi dada ontem pelo ministro Fernando Teixeira dos Santos, que se escusou, no entanto, a precisar os termos dessa alteração. A alteração "vai definir claramente em que condições" as doações terão de ser declaradas, disse Teixeira dos Santos. Esta mudança só deverá entrar em vigor no próximo ano.

É "excessivo declarar doações entre pais e filhos", sublinhou o ministro em declarações citadas pela Lusa. À saída da Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano, o ministro explicou que a alteração do Governo vai "definir claramente em que condições" as doações terão de ser declaradas. Sem nunca dizer que o limite dos 500 euros pode ser alterado, o ministro reconheceu que os "montantes reduzidos" de doações normalmente não estão associados a "riscos significativos" de evasão fiscal. "Não haverá a eliminação simples da declaração do fisco, mas serão definidas melhor as situações de obrigação."

Questionado sobre a altura em que o Executivo pretende alterar esta lei, Teixeira dos Santos disse que o "mais tardar" essa modificação deverá ser feita com a apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2008, o que significa que só terá efeito a partir de 1 de Janeiro do próximo ano. O ministro admitiu, no entanto, poder antecipar a alteração se houver razões para tal. Mas também não explicou o mistério destas razões que podem determinar uma antecipação da modificação legal.

A alteração que agora promete fazer surge depois do Governo ter aprovado um decreto-lei que obrigava a que as doações entre pais e filhos, avós e netos, e cônjuges, sempre que superiores a 500 euros, fossem declaradas ao fisco, mesmo sabendo-se que as mesmas estavam isentas do pagamento de Imposto do Selo. Caso estas declarações não fossem feitas pelos beneficiários das doações, então, estes estariam sujeitos a coimas que variam entre os 250 e os 15 mil euros, podendo ser reduzidas a metade caso não haja imposto a liquidar, o que é o caso.

Esta situação seria depois desmentida pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates, no Parlamento. Na altura, duas deputadas socialistas acabariam por entregar um requerimento ao Ministério das Finanças onde pediam para que a situação fosse esclarecida. A resposta das Finanças, divulgada pelo Jornal de Negócios, confirmou que a lei previa precisamente o que havia sido desmentido por José Sócrates.

Ora aí está. A um Estado tarado nem as crianças escapam.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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