sexta-feira, abril 13, 2007

(861) A ENTREVISTA

De uma coisa estou certo: se Jorge Sampaio fosse Presidente da República e usasse os mesmos critérios políticos que usou para avaliar Santana Lopes para avaliar José Sócrates, o país já se estaria a preparar para uma campanha eleitoral.

Defendo que o PS e o seu líder devem ser julgados politicamente, em eleições, sobre o que estão a fazer, de bem e de mal, e o que não estão a fazer, de bem e de mal, na governação. Mas a democracia contemporânea está muito longe de ser um mero pronunciamento eleitoral de quatro em quatro anos.

Ao contrário de muitos entendo que a questão da licenciatura do Primeiro-Ministro e das sucessivas trapalhadas que vieram a público nos últimos dias carece de discussão. O país tem certamente assuntos mais importantes e urgentes para tratar, mas a ética republicana, tão cara aos socialistas, impõe que quem exerce o poder não se tenha prevalecido de várias coisas feias, designadamente de se intitular aquilo que não é.

José Sócrates parece lidar mal com a franqueza. Iniciou logo a entrevista a dizer que não se tinha preparado especialmente para debater o assunto da licenciatura. O que seria patético e revelador de enorme incompetência política se fosse verdade. Ora, se há político mediaticamente competente é justamente José Sócrates. Numa entrevista que se sabia antecipadamente que iria tratar de verdades e mentiras é má política começar logo desta maneira. É que ninguém acredita.

Uma entrevista que, diga-se, começou logo por ser mal promovida pela própria RTP. Todos sabíamos que o tema da entrevista seria a licenciatura e não o balanço dos dois anos de Governo. Sempre o jogo de sombras, sempre a irresistível tendência para fazer dos outros parvos.

José Sócrates, como é seu direito, defendeu-se. Mas uma coisa é defender-se, e, até, ser convincente na defesa, outra bem diferente é esclarecer todas as dúvidas que, legitimamente, repito, legitimamente, foram colocadas com assinaturas várias e não anónima e cobardemente, sobre a regularidade da sua licenciatura e das suas declarações acerca das habilitações e qualidades profissionais ou não.

Na defesa talvez tenha sido convincente, no esclarecimento é que não foi. Ficaram várias questões por explicar, o que talvez não tivesse sucedido se os entrevistadores tivessem sido mais objectivos e claros nas perguntas. Havia seguramente vontade de esclarecer tudo, mas faltou alguma objectividade. Tinha-se obtido o mesmo resultado em metade do tempo se tivesse havido a coragem de obrigar o Primeiro-Ministro a falar claro. E apesar da torrente de palavras os entrevistadores deixaram escapar questões importantes, como a das equivalências, a do conhecimento prévio de António Morais e a de se intitular uma coisa que não era.

Veja-se com mais minúcia um exemplo: os dois registos biográficos do deputado José Sócrates na VI legislatura, existentes na Assembleia da República, com informações diferentes quanto à profissão e habilitações literárias são, afinal, um original corrigido e uma fotocópia feita antes da correcção. Isso mesmo foi confirmado pelo gabinete do Primeiro-Ministro.

A pedido de vários órgãos de comunicação social, a secretaria-geral da Assembleia da República divulgou os fac-similes dos dois registos existentes nos serviços. Ambos têm a mesma data (13 de Fevereiro de 1992) e são em tudo idênticos. Mas num deles consta a profissão de engenheiro e na rubrica das habilitações a referência “Engenharia Civil”, enquanto no outro surge a profissão de engenheiro técnico e nas habilitações académicas surge a abreviatura “Bach.” antes da “Engenharia Civil”. Ontem, na entrevista, Sócrates limitou-se a dizer que não se lembrava. Isto é, ficou por esclarecer. Mas numa nota de 10 de Abril do seu próprio Gabinete afirma-se que Sócrates é alheio a esta confusão. Não bate a bota com a perdigota.

Quando a entrevista saiu do tema difícil, José Sócrates melhorou em muito. E acabou por estar ao seu nível já conhecido. Já saber se matou ou não o assunto é coisa que só o futuro dirá.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

Sem comentários: