quinta-feira, fevereiro 28, 2008

(2330) OS PARTIDOS ESCONDIDOS

Portugal descobriu que além dos dezasseis partidos políticos actualmente inscritos no Tribunal Constitucional, existem mais alguns, que não constam dos respectivos registos. São partidos que não concorrem com listas próprias às eleições, que não têm estruturas locais e que, consequentemente, não têm votos. Podíamos simplificar e chamar-lhes os partidos dos tentáculos. Esses partidos são as empresas que financiam partidos às ocultas para poder ter um quinhão dos negócios públicos. E os negócios públicos são concedidos pelos partidos que vencem as eleições. Infelizmente e tristemente, parece que quando os cidadãos entregam o seu voto a um partido estão também a entregá-lo, embora sem o saber, a interesses ocultos que só mais tarde se mostram através de obras e contratos.
O país ficou a saber recentemente que um desses partidos se chama Somague e ao que se sabe, pelo menos até agora, além de outras despesas desinteressadas pagas ao PSD, pagou inclusivamente a alteração do símbolo (!) do PSD.
Este é o primeiro caso conhecido e punido de financiamento ilegal de partidos políticos. Aquilo de que muitos suspeitavam viu, enfim, a luz do dia. Como de costume em situações de grande aperto, foi encontrado um bode expiatório: José Luís Vieira de Castro, então secretário-geral adjunto do PSD. Evidentemente o PSD não tinha à altura secretário-geral nem líder. Claro que não. E, se por mero sortilégio do destino os tivesse, eles não saberiam obviamente de nada. Na hora do aperto, assobia-se para o lado, é-se tomado de amnésia, ou sacode-se a água do capote para quem está mais à mão.
Mas este caso é apenas a ponta de um imenso "iceberg". No CDS até nomes ridículos de doadores falsos constam da lista de financiadores. Além da ilegalidade revela-se o descaramento. Há muitos anos que se fala em surdina de casos de financiamentos partidários ilícitos, ou de financiamentos partidários lícitos que são moeda de troca de negócios do Estado com esses financiadores quando o partido financiado chega ao poder. A todos os poderes. Do poder do Estado aos poderes das autarquias. Ao Governo e às Câmaras Municipais. Por todo o país, em quase todos os concelhos, circulam boatos, histórias, acusações. Em Tomar também. Apontam-se coincidências. A democracia torna-se uma infindável suspeita.
Portugal precisa de uma operação "mãos limpas". Como começar? Podia ser assim: comparar os financiadores das campanhas eleitorais de todas as autarquias com as adjudicações de obras dos respectivos concelhos. E investigar. O que não se pode é viver continuamente com a democracia sob suspeita generalizada. E os políticos que estão na política de forma séria devem ser os primeiros a reagir e a não deixar que o seu nome seja misturado numa lama que a todos ameaça contaminar.
As empresas de construção civil, têm um interesse económico óbvio: fazer obras públicas para ganhar dinheiro. Os partidos têm um interesse económico óbvio: obter receitas para pagar as campanhas eleitorais faraónicas, que ofendem os milhões de portugueses que todos os meses contam os cêntimos até ao fim do mês para sobreviver. Junta-se a fome à vontade de comer, como diz o povo. Não seria de admirar se amanhã se viesse a saber que empresas de construção civil ou doutros ramos de actividade, tivessem financiado campanhas autárquicas do PSD ou do PS e feito obras públicas ou obtido contratos nesses concelhos.
A questão que se levanta agora é a seguinte: como resolver o problema do financiamento dos partidos, que se suspeita que é a verdadeira causa da grande corrupção? Com a actual lei do financiamento dos partidos foi criada uma Entidade a quem compete fiscalizar a regularidade dos financiamentos partidários. Mas não é certamente a contar os comensais dos jantares partidários da "carne assada", a contar as cabeças nos Congressos nos hotéis para aferir do valor do arrendamento da sala, ou a contar carros e quilómetros percorridos pelas caravanas partidárias que se está a dar um contributo válido para atacar de frente o problema. Não é no pagamento do combustível ou do porco que se corrompe e se espera corromper no futuro.
Existem duas soluções: financiamento totalmente e exclusivamente público. Financiamento livre e misto, em que o Estado paga uma parte e os donativos são livres por particulares e empresas, com a condição de serem públicos e de notificação obrigatória à Entidade que fiscaliza as contas dos partidos, que os publicaria imediatamente no seu sítio da Internet, sujeitando-os à transparência pública, tornando-os de todos conhecidos. Desta forma poderíamos avaliar em cada momento, em cada negócio autárquico ou governamental, se havia ou não relação entre os financiadores das campanhas e os negócios públicos que envolvessem empresas privadas.
Porque a verdade é que em Portugal se passam casos verdadeiramente misteriosos e extraordinários, como por exemplo, o de se atribuírem concessões de jogo a casinos sem concurso público e com contrapartidas escondidas, que envolvem alterações de leis à medida e a pedido para satisfazer reivindicações privadas.
Estamos em crer que, sendo a natureza humana atreita à tentação, o remédio mais eficaz e dissuasor ainda é o da transparência.
(publicado na edição de hoje de O Templário)

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem.

Anónimo disse...

Os meus aplausos.
Já o calculava pelo estilo, mas confirmei a autoria n'O Templário". Ainda não tinha encontrado na opinião pública tão perfeito diagnóstico dos males que nos apoquentam. Talvez pudesse ter ido mais longe na identificação dos "escondidos" assim como se podem aperfeiçoar as soluções. De qualquer maneira é preciso agir e são já demasiados os sinais.
Para que não seja tarde, que venham as "mãos limpas", mas certamente com outros intervenientes.