Os Estados-membros da União Europeia fecharam na semana passada uma negociação sobre um novo Tratado para reger a vida desta organização internacional. Foram Estados independentes que o negociaram. Uma negociação pressupõe uma composição de interesses. De interesses nacionais que dizem obviamente e em primeira instância respeito aos respectivos Estados.
Durante esta negociação fomos tendo notícia de várias reivindicações de países como a Itália, a Espanha, a Polónia, o Reino Unido, a França e outros. Mas não tivemos notícia de nenhuma posição, nenhuma opinião, nenhuma reivindicação do Estado português. Sucede que os contribuintes pagam uma diplomacia do seu bolso para que esta defenda os interesses portugueses e não os interesses de outros Estados, que naturalmente providenciaram a sua diplomacia própria.
Ora, perguntamos então: o que estiveram a fazer os diplomatas portugueses nestes meses todos e, em última e derradeira instância quem esteve José Sócrates a representar nesta negociação? Bem sei que o Governo teve de desempenhar as funções de Presidente do Conselho de Ministros da União Europeia nestes meses. Mas não deixou de ser o Governo de Portugal. Ou deixou?
O facto é que Portugal parece ter-se comportado como um mero escriturário de um guião alemão para realizar o filme “Constituição Europeia II”, fita que se pretende estrear em todos os países da União em 2009. Com um truque: 90% do filme é exactamente igual ao seu antecessor “Constituição Europeia I”, o que é uma fraude a quem comprar bilhete para ir ao cinema.
O Governo deve explicações aos portugueses sobre assuntos tão enxutos como estes: que posições próprias defendemos nas negociações sobre os poderes das instituições comunitárias? E sobre o problema das votações por maioria qualificada e das matérias novas que a elas passam a estar sujeitas? E sobre a composição da Comissão? E sobre a política externa da União? E sobre a composição do Parlamento Europeu? E sobre outras matérias que me escapem? Ou, pura e simplesmente o Governo de Portugal não defendeu nenhuma posição própria limitando-se a aceitar acrítica, atenta, veneranda e obrigadamente as posições de outros?
Este Tratado, ao contrário do que afirmaram os seus negociadores, com o deslumbrado José Sócrates à cabeça, não é um Tratado histórico. É um Tratado em larga medida dispensável, que onde inova criará novos e sérios problemas (já se vê o conflito entre o futuro presidente permanente e o presidente da Comissão Europeia), que prejudica gravemente os interesses de Portugal e que não resolve nenhum dos problemas críticos da União Europeia: a estagnação social e económica, o afastamento das populações, o défice de legitimidade e de democracia.
Quanto a nós, se me permitirem, para mim, Portugal está primeiro, Portugal perdeu em toda a linha. Perdeu deputados europeus, perdeu o direito automático a um comissário europeu, perdeu o direito de acesso á Presidência do Conselho de Ministros por rotatividade, perdeu o seu voto na lógica da inundação de votações por maioria qualificada e perde soberania em matérias onde terá de aceitar que lhe imponham mais decisões ainda do que hoje em domínios até agora decididos por unanimidade.
Então, perguntar-se-á a razão de tanta felicidade nos rostos de Sócrates e de Barroso. É simples. Para as suas carreiras pessoais o resultado da CIG não podia ter sido melhor. Mas, salvo o devido respeito e melhor opinião, os interesses de Portugal sobrepõem-se aos interesses dos destinos políticos de ambos. Ou não?
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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