sexta-feira, fevereiro 23, 2007

(571) O DIREITO AO CEPTICISMO

Públio Cornélio Tácito ou apenas Tácito, como a posteridade o registou, nado nos idos de 55 e falecido nos idos de 120, já depois de Cristo, historiador latino que foi questor, pretor, cônsul, procônsul da Ásia e orador, é considerado um dos maiores historiadores da antiguidade.

Artigo de história para variar? Não. Invocação oportuna a propósito do debate de ontem no Parlamento sobre a corrupção, esse desígnio presidencial de última geração. O Presidente Jaime Gama devia ter oferecido aos deputados, antes do debate de ontem, as obras completas do historiador romano.

“Quanto mais corrupta é a República, mais numerosas são as leis”, afirmou Tácito. A citação vem reproduzida no último livro de Fátima Mata-Mouros, “O Direito à Inocência”. É uma frase sábia e intemporal, que releva da melhor ciência política e da mais actual sociologia da corrupção no século XXI.

Para combater a corrupção são necessárias à partida duas condições: carácter e vontade. O primeiro faz falta para saber distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o correcto do incorrecto, o legítimo do ilegítimo, o legal do ilegal. A segunda faz falta para evitar a indiferença, o conformismo, o encolher de ombros, o silêncio, no limite a cumplicidade perante a corrupção.

Sem estas duas coisas não há polícia nem Lei que resistam. É, se quisermos uma questão cultural, à partida. Só depois vêm a Lei e a política. Ontem, no Parlamento falou-se das últimas não dos primeiros. Vêm mais leis a caminho. Já os políticos são os mesmos. Devemos ter esperança? Sinceramente, penso que a atitude mais adequada é a de um cepticismo moderado.

Quando se ouve o Procurador-Geral da República afirmar que em Portugal não existe corrupção de Estado, lembro-me de um Primeiro-Ministro que em tempos afirmou que Portugal não era um país de corruptos para uma década depois fazer um discurso apenas dedicado ao assunto que, entretanto, concluiu ser da maior gravidade.

Quando se ouve um Primeiro-Ministro dizer de um deputado do seu partido que nesta matéria fez propostas que são asneiras, não podemos deixar de associar o excesso da reacção ao facto do mesmo deputado ter afirmado que o PS tem rabos de palha em matéria de corrupção.

Ontem, fez-se mais um debate. Já sem o deputado impulsionador. Com o mesmo PS de sempre, prisioneiro do bloco central dos negócios que forma com o PSD e incidentalmente com o CDS, a acharem que o tema merece mais leis e não mais acção. Numa palavra: um debate para encher calendário. Seria muito bom para o país e para a saúde da democracia que a realidade me viesse desmentir.
(publicado na edição de hoje do Semanário)

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