Esta semana foi esclarecedora sobre a intensidade das mudanças no Ministério Público. Na primeira semana a sério desde que mudou a direcção do Ministério Público, os sinais não podiam ser mais deprimentes e de mau augúrio.
O resumo é este: o país estava aparentemente farto de espectáculo na televisão e zero de consequência. O país estava aparentemente farto de pronunciamentos episódicos e empíricos do Procurador-Geral à porta de casa, do carro e do emprego. O país reclamava mão firme e eficaz contra a corrupção. E, marginalmente, o povo gostaria que os polícias e os procuradores não fizessem nos processos a cama aos próprios processos, através de descuidos processualmente insustentáveis mais tarde, quando a coisa passasse para os tribunais.
Vai daí, o (eterno?) bloco central deu-nos o Dr. Pinto Monteiro, com a bênção presidencial. Esta, parca de palavras, com a aura da eficácia, proclamou na hora certa da posse: “mais resultados e menos espavento”. Lembrou Cavaco Silva e, bem, que a espectacularidade é por vezes inimiga da eficiência. Afinal de contas, por muito bem comportados e ordeiros que sejam os portugueses, ninguém aguenta eternamente filmes a mais e vida real a menos.
Esta semana, por causa de um livro onde a Autora confessa e denuncia crimes assistimos ao regresso em plenitude ao “estilo Souto Moura”. O Procurador-Geral da República, à margem de uma cerimónia pública, anunciou reuniões de Procuradores, disse que só este fim de semana acabaria de ler o livro, e até agora, atitudes, nada. O Ministério Público tem dado tempo para tudo. Para eventuais culpados se porem a bom recato. Para eventuais provas de eventuais crimes serem dissipadas. Para tudo. Um desastre.
Tivesse sido o Procurador-Geral anterior a fazer isto tudo e teria caído o Carmo e a Trindade. Não caiu. O bloco central ampara os seus.
Para cúmulo, parece que os poderes do futebol adoptaram uma postura de desafio total. Almeida Pereira, o "número dois" do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto, onde ainda se investigam algumas das certidões do processo Apito Dourado, foi anunciado na lista única a apresentar para o cargo de vice-presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. O outro vice-presidente daquele organismo de futebol profissional seria João Ramos, magistrado do Ministério Público no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde também se investigam os grandes casos de corrupção que envolvem várias comarcas. Parece que ambos recusaram. Mas é revelador da postura dos dirigentes do futebol que não tenham percebido que há mesmo problema em ter na mesma lista investigadores e investigados, independentemente da presunção de inocência de que gozam os segundos e da plenitude de direitos cívicos de que gozam os primeiros.Numa palavra: promiscuidade total entre o futebol e a investigação criminal. Lê-se e não se acredita. O Procurador-Geral da República vai continuar calmamente a ler o livro.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
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