Não há como ler um Orçamento para perceber a política real. Não a dos discursos, não a das promessas, não a das românticas intenções, mas a dura política da verdade. A Câmara Municipal de Aveiro não foge a esta regra implacável da política de governar.
A Câmara de Aveiro aprovou esta semana por maioria o orçamento municipal para 2007, que ascende a 190 milhões de euros, mais 40 milhões do que este ano.
O vereador responsável pelo pelouro financeiro, Pedro Ferreira, da coligação que lidera o executivo (CDS/PP-PSD), justificou o valor elevado do orçamento por incorporar várias dívidas contraídas durante a gestão socialista, nomeadamente às empresas SimRia, à Somague e à Etermar, cujos valores não eram reconhecidos pelo anterior executivo.
Os vereadores socialistas da autarquia de Aveiro votaram contra a proposta de orçamento e remeteram a sua posição para momento posterior.
"Percebo que digam que é um orçamento grande, mas claramente contém as dívidas que vamos apurando. Em relação à SimRia não fui eu que assinei o contrato, mas o anterior presidente da Câmara, e o serviço foi prestado, pelo que sei claramente que é dívida", explicou o vereador Pedro Ferreira. Outras justificações apontadas pelo vereador são a subida das taxas de juro, com encargos para a autarquia que estimou em mais quatro milhões de euros e a perspectiva de liquidação da sociedade Aveiro Polis.
Três obras já adjudicadas no âmbito do Polis - a reparação dos muros da antiga lota, a construção da ponte sobre a eclusa e o centro de interpretação ambiental - deverão ser assumidas pela Câmara, adiantou.
A pista de remo do Rio Novo do Príncipe, o porto de abrigo de São Jacinto e o cais de atracagem do "ferry-boat" são obras novas que o actual executivo pretende lançar em 2007.
Na proposta aprovada pela Câmara, o equilíbrio orçamental é conseguido pelo recurso a receitas extraordinárias resultantes da alienação de património, com a previsão de 80 milhões de euros na venda de terrenos em que se inclui o antigo estádio Mário Duarte, a zona do Plano de Pormenor do Centro (Cojo) e a envolvente ao novo estádio, em Taboeira.
Ao nível das receitas correntes, a novidade é a estimativa de 46,5 milhões de euros em rendas devidas pela concessão a privados de várias empresas municipais, nomeadamente a do Teatro Aveirense, a do Parque de Exposições, a empresa do estádio EMA, a empresa de transportes MoveAveiro e os Serviços Municipalizados, que actuam na água e saneamento.
Pedro Ferreira admitiu que a realização do orçamento vai depender da concretização das receitas extraordinárias, dado que no documento figuram 13 milhões de euros em obras já adjudicadas, que devido ao Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) têm de ter cabimento orçamental.
"Comprometemo-nos claramente a executar quatro milhões de euros (dessas obras adjudicadas)", assumiu Pedro Ferreira, adiantando que cada junta de freguesia já indicou as que considera serem prioritárias.
Esta descrição do Orçamento feita pelo seu responsável é exaustiva e permite tirar três conclusões políticas importantes.
A primeira é de que a Câmara Municipal continua sem estratégia credível para resolver ou começar a resolver o problema da dívida municipal. É de louvar a integração no Orçamento de dívida oculta, mas ao Executivo exige-se mais do que o rigor nas colunas do deve e do haver. Exige-se um caminho, uma alternativa, uma solução. Não tem. O próximo ano continuará a ser de navegação à vista, exactamente como tem sido o mandato em curso.
A segunda é a de que vão avançar obras sem financiamento garantido nem conhecido. Por outras palavras, isto não é nem mais nem menos do que a sobrevivência do método socialista de governar: faz-se primeiro, depois logo se vê e quem vier atrás que feche a porta.
A terceira é de que a Câmara parece já ter optado sem o assumir abertamente pela venda dos terrenos do Mário Duarte, inviabilizando assim a possibilidade de devolver aos aveirenses a palavra sobre o destino do Estádio Mário Duarte.
Tudo isto significa que o futuro do saneamento financeiro da autarquia fica dependente de receitas extraordinárias, que poderão ou não realizar-se. Falta o plano B, ou seja, a alternativa.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
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